Síntese do Artigo do Ten-Cel Pimentel, do Exército Brasileiro, aluno da Escola de Estado-Maior, em Honduras.
O primeiro ano e meio de governo foi marcado por algumas medidas louváveis na esfera social e pela aproximação com as classes menos favorecidas. Mesmo nesse período, já se falava do altíssimo grau de corrupção do seu governo. A crise mundial de alimentos e o elevado preço alcançado pelo barril de petróleo colocaram o seu governo à beira de um colapso. Para um país que tem 80% de sua matriz energética baseada no petróleo, a tábua de salvação foi Chaves, que lhe vendeu petróleo financiado em 20 anos. Em retribuição, Zelaya aderiu à ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da América) e proclamou-se de esquerda, adotando um discurso contra os Estados Unidos.
Em Fevereiro de 2009, começou a mudar o seu Gabinete. Convidou para Chanceler a Sra Patrricia Rodas Baca, admiradora declarada de Chaves e ordenou a substituição do Comandante do Exército que, por sua retidão de caráter e apego às instituições, exercia grande liderança junto à tropa. Nesse último ano de governo, Zelaya estava muito desgastado, por causa das denúncias de corrupção e de associação com o tráfico de drogas.
A Carta Magna de Honduras pode ser alterada em 97% dos seus 375 artigos pelo próprio Congresso Nacional. Existem, porém, algumas poucas cláusulas pétreas que não podem ser objetos nem mesmo de discussão, constituindo delito de traição à pátria o simples fato de propor sua revisão. Senão vejamos: "Artigo 239: O cidadão que tenha desempenhado a titularidade do poder executivo não poderá ser Presidente ou Designado. Aquele que ofender esta disposição ou propuser sua reforma, bem como aqueles que a apóiem, direta ou indiretamente, terão cessado de imediato o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de toda função pública". Juridicamente, não há espaço para a convocação de uma Assembléia Constituinte. No caso de Honduras, a Constituição encontra-se blindada contra pretensões de continuísmo, justamente como reação aos inumeráveis golpes de Estado e ditaduras pelas quais atravessou o país.
No dia 23 de março de 2009, Zelaya emitiu o decreto Executivo PCM-005-2009, convocando uma consulta popular, para estabelecer uma Assembléia Nacional Constituinte. Em 8 de maio, o Ministério Público iniciou uma ação judicial ante o Tribunal de Letras do Contencioso Administrativo contra o referido Decreto. No dia 14 de maio, Zelaya preparou uma grande festa na Casa Presidencial para o lançamento oficial da "Frente Patriótica de Defesa da Consulta Popular e da Quarta Urna". Na oportunidade, definiu-se a data da consulta, 28 de junho. Para essa festa foram convocados funcionários do governo até o terceiro nível. O comparecimento foi obrigatório e cada pessoa teria de levar consigo outras três. Em 20 de maio, a Procuradoria do Estado posicionou-se contra o decreto. Aconselhado por Chaves, Zelaya mandou vir a Honduras o perito espanhol em direito constitucional Rubén Dalmau, que assessorou a Evo Morales e a Rafael Correa na elaboração das novas Constituições de seus países. No plano interno, adotou medidas para o enfraquecimento das instituições do Estado, não lhes repassando todas as verbas. Apesar da crise, o governo gastou US$40 milhões em campanha pela chamada "Quarta Urna" (constituinte) e em outras atividades afins. Não foram repassados recursos para o Tribunal Superior Eleitoral começar a organizar as eleições de novembro, nem para o Registro Nacional das Pessoas (cadastro de eleitores).
No dia 27 de maio, o Tribunal de Letras do Contencioso Administrativo suspendeu todos os efeitos do Decreto Executivo PCM-005-2009, por haver sido considerado inconstitucional. Buscando manter a legalidade no país, o Tribunal proibiu qualquer tipo de publicidade a respeito do assunto. Em claro desafio ao Tribunal, Zelaya ordenou que a publicidade relacionada à "Quarta Urna" não fosse interrompida. As Forças Armadas que, até então, mantinham-se afastadas do conflito político, viram-se atraídas para o campo de disputa, uma vez que receberam ordem explicita de Zelaya para apoiar logisticamente todas as atividades destinadas à consulta popular. Diz o Artigo 323 da Constituição Hondurenha que" Os funcionários são depositários da autoridade, responsáveis legalmente por sua conduta oficial, sujeitos a lei e jamais superiores a ela. Nenhum funcionário ou empregado, civil o militar, está obrigado a cumprir ordens ilegais ou que impliquem a execução de delito". Com base nesse artigo, na noite de 24 de junho, o Chefe do Estado-Maior Conjunto comunicou ao presidente da República que, por impedimento judicial, as Forças Armadas não poderiam apoiar logisticamente a pesquisa popular. Nessa mesma noite, Zelaya destituiu o Chefe do Estado-Maior Conjunto (General Vasquez). Em solidariedade ao General, os comandantes das três Forças Armadas renunciaram aos seus comandos. Baseado no Artigo 323 da Constituição, a Corte Suprema de Justiça reintegrou o General Vasquez na manhã de 25 de junho.
No dia 25 de junho, O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) resolveu declarar ilegal a pesquisa de opinião político-eleitoral convocada pelo Poder Executivo para o domingo de 28 de junho, por violar o que estabelece a Constituição. Nesse mesmo dia, magistrados do TSE e integrantes do Ministério Público apreenderam o material destinado à consulta, que havia sido trazido da Venezuela, e encontrava-se armazenado em um galpão da Base Aérea Hernan Costa Mejia. Na oportunidade, o Coronel Castillo Brown foi nomeado fiel depositário do material apreendido. Por volta das 15 horas, o presidente da República, liderando uma turba, assaltou as instalações da Força Aérea e recuperou o material destinado à consulta popular. Na ocasião, expressou publicamente que não iria respeitar decisões do Poder Judiciário.
Nesse mesmo dia, o Fiscal Geral da República apresentou ante a Corte Suprema de Justiça um requerimento fiscal e solicitou ordem de captura contra Manuel Zelaya Rosales, sob as acusações de conspirar contra a forma de governo, traição à pátria, abuso de autoridade e usurpação de função em prejuízo da administração pública e ao Estado de Honduras. No dia 27 de junho, às 22:00 horas, a Corte Suprema de Justiça ordenou às Forças Armadas a captura do presidente da República pelos delitos já mencionados e a paralisação da consulta, o que foi realizado na manhã do dia 28. A ordem emitida era clara: capturar Manuel Zelaya e colocá-lo à disposição da Justiça. A decisão de expulsar o ex-presidente do país foi tomada tendo em vista a fragilidade das instituições, onde seus agentes são suscetíveis a todo tipo de pressão e coerção, e também as possíveis conseqüências de mantê-lo preso, considerando que dias antes ele havia invadido uma instalação militar liderando uma turba. Às 12 horas do dia 28, por 123 votos contra 5, o Congresso Nacional referendou a decisão da Corte Suprema e empossou Micheletti como o novo presidente constitucional de Honduras.
P.S. Segundo a Constituição de Honduras, a cassação do mandato do Presidente se dá não por "impeachment" mas com fulcro na Artigo 239.