Numa democracia e numa eleição, a gente identifica quatro ingredientes importantes: a liberdade, o eleitor, o político e os partidos. A liberdade é a alma da democracia. Quando ela começa a sofrer restrições, impostas pela conveniência do poder político, a democracia se sente acometida por insuficiência respiratória. Antigamente, a liberdade era sepultada de forma abrupta, por meio de golpes e revoluções. Hoje, ela é corroída progressiva e paulatinamente, como faz o cupim na madeira e a ferrugem no ferro. A corrosão existe, mas não é perceptível pela sociedade. Quando ela se dá conta, a democracia já está sangrando ou asfixiada. A Venezuela é um retrato fiel do desmantelamento progressivo do Estado Democrático de Direito.
O eleitor é a bússola que marca o rumo das tendências políticas. Quanto mais consciente e independente é o seu voto, mais livre é a eleição e mais qualidade tem a democracia. A consciência do voto está relacionada à cultura política e ao processo educacional. Uma educação direcionada para ideologias e não para valores distancia cada vez mais da primavera democrática. O eleitor brasileiro, mesmo sendo pouco participativo, tem uma cultura política assentada em valores cristãos e democráticos. Somos um eleitorado distante dos extremos ideológicos. As eleições de 2010 mostraram isso de forma cristalina. Os candidatos aos cargos majoritários, com ideias radicais, tiveram votação inexpressiva. Mais de 75% dos Governadores eleitos no primeiro turno pertencem a partidos políticos moderados. Os demais dançam conforme a música. Os extremistas não convenceram o eleitor e foram renegados.
A má qualidade do político compromete a saúde da democracia. Políticos desonestos e sem firmeza de convicções, trocando de partidos de acordo com as conveniências ocasionais, usando o poder em prol de seus interesses pessoais, dificultam a construção e o aperfeiçoamento da democracia. A perpetuação dos clãs políticos no poder maltrata a democracia, impedindo a sua floração nos pleitos eleitorais. A falta de consciência política leva o eleitor a optar por nomes já conhecidos, reduzindo a renovação. Quanto mais o poder se renova, mais a democracia floresce e ganha qualidade. A renovação é um ato saudável para as instituições.
Os partidos políticos constituem a cara da democracia. Eles devem representar as diversas tendências ideológicas da sociedade. Quando têm identidade própria, programas de governo próprios, conduta ética diferenciada e outras diferenças relevantes, a democracia se sente mais confortável e fortalecida. Os partidos políticos deveriam ser como as estações do ano, com as suas belezas e características próprias, de modo a encantar o eleitor. No Brasil, temos dezenas de partidos sem qualquer identidade ou definição política. Em época de eleições, eles se tornam tão sensíveis às conveniências que mais parecem folhagens ao vento. Todos se coligam para a partilha do poder e quem mais perde é o eleitor e a democracia. As eleições de 2010 deram uma prova evidente dessas coligações, que mais parecem um samba de gafieira tocado por americano, cantado por russo e dançado por japonês. Sem uma reforma política e partidária, a democracia brasileira dificilmente encontrará a sua primavera.