Um dia fui conhecer Brasilândia. Todo mundo fala de suas maravilhas e belezas naturais. Até parece a terra prometida. Tem de tudo para todos. Tem planícies, vales, montanhas, rios, cachoeiras, florestas, praias. Tem sertões semiáridos e mar a perder de vista. De tudo, um pouco. Tem sabiás nas laranjeiras, saracuras nas capoeiras, tucanos nas veredas, araras nos esbarrancados, seriemas nas campinas, periquitos nas mangueiras, quero-quero nas coxilhas. Tem palmeiras ao vento, mandacarus nos sertões, ipês nos cerrados. É uma terra variada e abençoada, colorida e fértil. Tudo o que se planta dá. Seu povo é alegre, hospitaleiro, pacífico. Nasceu da mestiçagem entre o branco, o índio e o negro. É uma mistura de raças e nacionalidades. Gosta de viver o presente, com carnaval e futebol. O ontem e o amanhã são sempre relegados. É também conformado com a realidade. Nunca pensa que poderia estar melhor. Sempre acha que poderia estar pior. É a filosofia de gente sofrida, de gente sem futuro. A esperança está acoplada ao futuro. Ele parece estar muito distante, talvez lá onde as paralelas se encontram ou onde as estrelas se penduram. Há quase dois séculos, houve-se falar do futuro de Brasilândia. Mas ele nunca chegou. Muita gente já morreu sem conhecê-lo. Ninguém sabe se está longe ou perto, se já chegou ou vai chegar. O importante, porém, é acreditar nele, é ter esperança. Povo sem esperança pode dar salto no escuro, pode fazer revolução. E isso não é bom nem conveniente para quem possui carteira de autoridade, para quem desfruta das benesses do poder. Essa esperança vem caminhando pelo tempo afora. Às vezes, apresenta sinais de cansaço, mas não para. Sempre há momentos de descanso e renovação. A cada eleição, o sol nasce e brilha no céu. Depois, tudo volta ao que era antes. Ele volta a ser raquítico e amarelado. Assim é Brasilândia. Uma terra de futuro, um futuro desfrutado por poucos e negado a muitos. Uma terra onde poucos ficam ricos da noite para o dia. Basta ser inteligente e esperto. Inteligente para conhecer as fraquezas do povo, as rachaduras das leis, os caminhos do poder. Esperto para colocar a honestidade empalhada no museu, para enganar o povo nas eleições, para usar o cargo em benefício próprio. Brasílândia é uma terra onde são poucos os ricos e muitos os pobres. Os ricos ocupam os palácios e as casas grandes. Vestem fraques e casacas. Os pobres ocupam as ruas e as senzalas. Usam tênis e sandálias. Às vezes, andam descalços. Os ricos estão no paraíso, lá onde viveram Adão e Eva; os pobres, no passado, sentados na curva do tempo, esperando pelo futuro.
Brasilândia sofre de muitas doenças. A pior delas é a corrupção. Parece incurável. Não há remédio que dê conta. O pior é que virou moda. Ela nasceu de uma superbactéria, cujo nome científico é KPT. Nos últimos anos, espalhou-se por todos os lugares. O local preferido, porém, são as repartições públicas e as grandes empresas. Saqueiam de dia e de noite. Não têm hora nem vergonha. Tudo já está até institucionalizado. É a atividade mais forte e lucrativa. O saque não é mais individual, mas coletivo. Quem saqueia diz ser inocente e ainda afirma perante a Justiça que nada sabe e nada viu. E a Justiça acredita. Ninguém é condenado por roubar milhões. Quando é, fica em casa de tornozeleira eletrônica, bebendo vinho e planejando outros roubos. Quem rouba tostão, acaba mesmo é na prisão, sem dó nem piedade. Parece que as leis foram feitas para beneficiar os engravatados e os que ocupam os espaços do poder. Os maus exemplos vêm sempre de cima, nunca de baixo As comissões de inquérito, abertas no Parlamento, chegam sempre à mesma conclusão: há crimes, mas não há criminosos. Se há, são inocentados. A casa do povo não passa de uma grande pizzaria. Tudo dá em nada e o povo se dá por satisfeito e fica acomodado. Faz parte de sua índole. O amanhã será outro dia e tudo estará esquecido. A alma é generosa, mas a memória é curta. Que dura realidade! Um país tão jovem e com tantas doenças e tantos malfeitores. O povo, coitado, já se acostumou com tudo isso. A honestidade perdeu a vontade de viver por falta de consumo. Acabou sendo embalsamada e colocada num sarcófago. Alguns valores, de tanto ficarem mofando nas prateleiras, migraram para outros países, em busca de consumidor. Rui Barbosa tinha razão. O povo tem também a sua culpa. Sabe de tudo. Faz passeatas contra esta epidemia que tomou conta do país, mas sempre elege os mesmos homens para representá-lo, mesmo sabendo que são corruptos. Também não há muita opção. Cada qual é pior do que outro. Todos, porém, são generosos nas promessas, exagerados na fidalguia, afetuosos nos abraços. Tudo é abundante como água do mar. Em Brasilândia, os parlamentares, em todos os seus níveis, não representam o povo, mas a si próprios. O coletivo deu lugar ao individual. São muito espertos e inteligentes. Sabem enganar a todos. Transformam verdades em mentiras e mentiras em verdades. E o povo acredita neles. Povo crente é desse jeito. Acredita que pedra dá leite, que água corre pra cima, que penico é panela. Tudo depende da forma como as coisas são explicadas. E os políticos são especialistas nisso. São caras de pau. Enganam até Deus. Chegam a dizer que ser rico é melhor que ser pobre. O pobre vai para o Céu e o rico para o Inferno. Essa teoria levou parte da população a optar pela pobreza, na esperança de um dia ser rico no Céu. Lá todos são iguais. Não há problemas de distribuição de renda nem de terras. Assim é Brasilândia. Uma terra onde os políticos prometem até o Céu para as pessoas.
Outra característica que pude identificar foi a mordomia dos que têm poder. Eles têm tudo. Além do salário, têm carro, motorista, gasolina, telefone, auxilio moradia, verba de representação, verba de gabinete, assistência médica. Qualquer chefe mequetrefe usa carro oficial. Tudo sai do bolso do contribuinte. Em Brasilândia, ninguém pensa em chegar ao poder para melhorar a vida do povo, mas para esvaziar os cofres e ficar rico. Rouba-se tudo, até mesmo a merenda das crianças nas escolas. Enquanto isso, o cidadão comum vive na pindaíba, sofrendo com preços altos e salários baixos. O seu sofrimento é parecido com o de Jesus Cristo. Sofre nos hospitais, nas Escolas, nos transportes públicos. Nos hospitais falta medicamento e sobra bactéria, falta médico e sobra paciente.
Para conhecer bem Brasilândia é preciso visitar os palácios e andar pelos becos e pelas ruelas. É preciso ter olhos para ver e ouvidos para escutar. É uma terra bonita e rica, habitada por um povo bom e sofrido. O povo até quer mudanças, mas elas são difíceis de acontecer. Os interesses dos privilegiados são muito fortes. É uma luta da formiga contra o elefante, da rolinha contra o gavião, do vidro contra a pedra, da escopeta contra o canhão. O futuro de Brasilândia é grandioso, mas está longe, talvez lá onde o céu e o mar se encontram, lá onde o sol se põe.
Brasília, 11 de junho de 2015
General José Batista de Queiroz