10 de out. de 2010

A desfiguração da democracia

O conceito de democracia extrapola a idéia de eleições livres e transparentes, de liberdade de expressão, de pluripartidarismo, de muitas outras coisas. A democracia se apoia num conjunto de valores. Uma eleição pode ser transparente e não ser livre. A liberdade de votar não significa liberdade do voto, relacionada com a independência do eleitor. A liberdade e a independência são faces da mesma moeda. Ambas são essenciais para a saúde da democracia. Devem se fazer presentes numa eleição para que ela se torne livre de certas impurezas. Quando o cidadão se dirige à urna para escolher o seu representante ou governante e o faz em função de favores ou benefícios individuais, pensando no presente e não no futuro, a eleição fica com o seu conteúdo democrático comprometido.

Num país onde a pobreza atormenta parcela expressiva da população, onde as injustiças sociais são cristalinas como a luz do sol, onde a educação e a saúde vivem um estado letárgico de crise, onde o povo tem pouco interesse pela participação política, tudo isso torna a democracia frágil e claudicante. As eleições representam o oxigênio da democracia. Para isso, elas precisam provocar consequências, ocasionar mudanças, renovar esperanças, trazer novos sonhos, abrir espaços para a renovação do poder. O continuísmo não é sinônimo de democracia, mas sim de regimes totalitários. Sem uma educação adequada, o eleitor tende a votar nos nomes e não nas pessoas, nas promessas inconsistentes e não nas propostas factíveis. Sem educação, os valores de ética e honestidade não representam ponto de corte para o eleitor. Ele vota de acordo com a sua necessidade e não de acordo com a sua consciência. O voto perde, portanto, consistência e valor. Quem perde com isso é a democracia.

A democracia retórica é aquela onde sobra corrupção e falta honestidade, onde os crimes financeiros são blindados pelo poder ou guardados nas prateleiras do judiciário, onde a lei só é efetiva para alguns e não para todos. Numa democracia presidencialista, o Presidente da República é, ao mesmo tempo, chefe de Estado e de Governo. Deve, portanto, estar acima dos partidos políticos. Nas eleições, é natural que tenha preferência ou mesmo apoie determinado candidato. O que não pode fazer é usar a máquina do Estado e o dinheiro do contribuinte para realizar campanhas ou ações políticas em favor de candidato. O uso da máquina administrativa e do poder econômico para influenciar o voto do eleitor desfigura a lisura do pleito e a autenticidade da democracia. Quando essas violações da lei não são punidas adequadamente, a democracia deixa de pertencer a todos para se tornar propriedade restrita de quem exerce eventualmente no poder. A democracia não pode ser de esplendor para alguns e de penúria para outros, luxuosa para poucos e pobre para muitos. Ela é um bem inalienável de todos os cidadãos.