10 de fev. de 2017

JENIPAPO


(A Batalha da Unidade Nacional)


General José Batista de Queiroz (*)


A Batalha de Jenipapo foi travada em 1823, entre piauienses e cearenses de um lado e portugueses do outro. Ocorreu às margens do riacho do mesmo nome, no município de Campo Maior-PI. Foi a mais violenta batalha ocorrida no processo de Independência, tendo sido decisiva para a manutenção da unidade nacional. Evitou que Portugal mantivesse, após o Grito do Ipiranga, uma colônia portuguesa no norte do Brasil. Essa batalha foi travada entre soldados e sertanejos, entre instrumentos de guerra e instrumentos de trabalho, entre o desejo de subjugar e o ideal de liberdade. Os piauienses perderam a batalha sob o aspecto tático, mas ganharam a guerra sob o ponto de vista estratégico. Sua valentia e coragem abalaram o poder militar de Portugal na região, obrigando seus soldados a se renderem, acabando com o sonho português de uma colônia no Brasil.

 O Grito do Ipiranga (7-9-1822) não ecoou em todo o Brasil. Algumas províncias do norte mantiveram fidelidade à metrópole. O Piauí, porém, era o centro das ideias libertadoras. Portugal nunca deu grande importância a essa região. A Capitania de São José do Piauí só foi criada em 1715 e, até 1822, não dispunha de nenhuma escola de ensino regular. A economia, entretanto, estava em franca expansão, tendo como principais produtos o gado e o algodão. Cerca de 30.000 cabeças de gado eram abatidas anualmente para abastecer os mercados do Maranhão, Ceará e da Bahia. Quase metade da renda bruta das fazendas abastecia os cofres portugueses.  Com a proclamação da Independência, Dom João VI voltou suas atenções para o norte da ex-colônia, onde desejava manter um pedaço geográfico sob seu domínio. Para isso, enviou para Oeiras, então capital do Piauí, o Major João José da Cunha Fidié, com a missão de sufocar levantes e manter a região como colônia portuguesa.  Fidié era um soldado experiente. Tinha lutado contra as forças de Napoleão. Foi nomeado Comandante das Armas no Piauí, aonde chegou em 1822.

A 19-10-1822, Parnaíba (parte mais rica da Província do Piauí) aprova, por meio da Câmara Provincial, sua adesão à Independência do Brasil. A 13-11-1822, Fidié parte com suas tropas (cerca de 1.600 homens) para aquela cidade, a 600 km de Oeiras, com o objetivo de sufocar o levante, prender revoltosos e restabelecer o domínio lusitano. Ao chegar a Parnaíba, em 18-12-1822, os líderes já haviam se refugiado no Ceará. Enquanto isso, em Oeiras, Manoel de Sousa Martins, futuro Visconde de Parnaíba, declara a adesão do Piauí à Independência, em 24-1-1823, e assume a Junta de Governo. Fidié decide, então, retornar a Oeiras, deixando uma pequena força em Parnaíba. A 5-3-1823, Leonardo de Carvalho Castelo Branco proclamou a adesão de Campo Maior à Independência. A cidade era ponto de passagem das tropas de Fidié, em seu retorno. A população decidiu barrar essa passagem. Caso Fidié chegasse a Oeiras, o sonho português de consolidar uma colônia no Brasil poderia ser viabilizado. A 12-3-1823, o Capitão Luiz Rodrigues Chaves convoca a população de Campo Maior a juntar-se aos 500 cearenses já arregimentados, conseguindo reunir 2.000 homens. A missão era barrar, nas margens do riacho Jenipapo, o deslocamento das tropas de Fidié para Oeiras. Embora os patriotas estivessem em superioridade numérica, o combate seria desigual. Os portugueses dispunham de homens adestrados, armamento, munição, infantaria, cavalaria e artilharia (11 canhões). Os piauienses e cearenses não tinham nenhum adestramento militar. Eram agricultores, roceiros, vaqueiros, gente simples do sertão. Partiram para o combate, armados apenas de facões, chuços, machados, foices, facas, paus e pedras. Eram movidos pelo ideal de libertar-se do domínio português. A 12-3-1823, Fidié chega às margens do Jenipapo. Às 09:00 horas do dia seguinte tem início o combate, que dura até as 14:00 horas, com a derrota e a retirada dos patriotas. Foi uma batalha sangrenta, com combate corpo a corpo, entre facões e baionetas, entre pedras e canhões.  Os patriotas tiveram 542 homens aprisionados e 200 vítimas. Ao término do combate, os soldados portugueses estavam exaustos. Foi uma luta violenta sob um sol escaldante. Não tinham força física para perseguir os retirantes, cuja valentia, coragem e espírito de luta amedrontaram os adversários e minaram a sua vontade de lutar. Terminado o combate, Fidié acampou em Campo Maior por alguns dias. Os patriotas realizaram um ataque de surpresa a esse acampamento, apoderando-se de armamento e munição. Essa ação afetou ainda mais o moral dos portugueses. A 16-3-1823, Fidié partiu para Estanhado, hoje União, onde mudou de planos. Ao invés de ir para Oeiras, decidiu refugiar-se em Caxias-MA, motivado pela resistência em Oeiras e pelo baixo moral de sua tropa. Em Caxias, muitos soldados desertaram. Os "independentes" organizaram uma força de 6.000 homens, formada por cearenses, piauienses e maranhenses para prender Fidié. Após um cerco de 15 dias, os portugueses se renderam em 31-7-1823. A 6-8-1823 foi proclamada a independência do Maranhão, Piauí e Ceará. Fidié foi levado para Oeiras e depois para o Rio de Janeiro, de onde foi extraditado para Portugal.

A Batalha de Jenipapo ajudou a garantir a unidade nacional e pôs fim à esperança portuguesa de uma colônia no norte do Brasil. Ela retrata a coragem e o patriotismo do piauiense. Foi a maior e a mais violenta batalha na luta pela Independência, na qual ocorreram degolas em ambas as partes. Não consta dos livros didáticos e nem é estudada no ensino fundamental e médio. A Assembleia Legislativa do Piauí aprovou, em 2005, a inclusão da data de 13-3-1823 na bandeira do estado. Em homenagem aos valorosos piauienses, o Exército brasileiro deu denominações históricas a unidades militares com o nome de "Batalhão Heróis de Jenipapo" (2º BEC), "Batalhão Alferes Leonardo de Carvalho Castelo Branco" (25º BC) e "Batalhão Visconde de Parnaíba" (3º BEC). A data de 13-3-1823 foi "o dia em que uma causa foi mais importante que uma arma".


(*) Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil