Gen Bda José Batista de Queiroz (*)
Após o Congresso de Viena (1815), a Europa viveu um período de quase 100 anos de paz, estabilidade e convivência pacífica. Houve alguns conflitos localizados, como o da Criméia (1853-1856) e a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871). Eles, porém, não impediram que a paz predominasse. Havia parentesco entre os monarcas dos três principais impérios europeus. George V, da Inglaterra, era neto da Rainha Vitória e primo irmão de Guilherme II, da Alemanha, e de Nicolau II, da Rússia.
A paz, porém, era aparente. Havia antagonismos e conflitos de interesses entre os países. A modernização industrial aprofundou as rivalidades. A Alemanha não se conformava em ter ficado de fora da partilha colonial, realizada pela Inglaterra e França. As colônias forneciam matérias primas e consumiam produtos industrializados. A perda da Alsácia-Lorena para a Alemanha, na Guerra Franco-Prussiana, mantinha aceso o sentimento de revanchismo da França A Península Balcânica era também uma área de interesses conflitantes entre a Rússia e a Alemanha. A Rússia desejava ter acesso ao Mar Negro e colocar sob sua proteção militar os países eslavos. Essa rivalidade se estendeu também à Áustria, quando ela anexou, em 1908, a província eslava da Bósnia-Herzegovina, cujos habitantes eram, em sua maioria, de origem serva. Essa anexação exacerbou o antagonismo entre a Sérvia e o Império Austro-Húngaro.
Essas rivalidades políticas, econômicas e comerciais alimentaram uma corrida armamentista. Inicialmente, entre a Alemanha e o Reino Unido. Depois se ampliou para toda a Europa. Os gastos militares, entre 1908 e 1913, cresceram 50%. A Revolução Industrial da década de 1880 facilitou o rearmamento dos países, criando "um poder de fogo nunca antes visto". A Alemanha tornou-se uma potência econômica e industrial. Em 1898, investiu no poder naval, para igualar ao da Inglaterra. Essa corrida bélica colocou em risco o equilíbrio de poder, obrigando os países a adotarem uma política de alianças. A Europa ficou então dividida em dois blocos antagônicos. De um lado, a Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria-Hungria e Itália) e, de outro, a Tríplice Entente (Inglaterra, França e Rússia).
O estopim da guerra foi o assassinato, em 1914, na cidade de Sarajevo (Bósnia-Herzegovina), do Arquiduque herdeiro do trono austro-húngaro. A Áustria exigiu a participação de agentes austríacos nas investigações, o que foi rejeitado pela Sérvia, país do assassino. Em 28 de julho de 1914, a Áustria deflagrou a Guerra, invadindo a Sérvia, com o apoio formal da Alemanha. A Rússia, aliada da Sérvia, movimentou suas forças na direção da Áustria. Em represália, a Alemanha declarou guerra à Rússia e esta invadiu a Prússia Oriental. A Alemanha socorreu a Áustria, obrigando os russos a recuarem.
Na frente ocidental, a Alemanha ocupou Luxemburgo e invadiu a Bélgica. Em 4 de agosto de 1914, declarou guerra à França. Diante da invasão da Bélgica, a Inglaterra rompeu com a Alemanha. A rocada de tropas alemãs para socorrer a Áustria, permitiu que franceses e ingleses detivessem o avanço alemão contra Paris, na Batalha de Marne (1914). A partir de então, a guerra adquiriu uma nova característica, para ambos os lados, conhecida como guerra de trincheiras. As trincheiras se estendiam do Canal da Mancha até a Suíça, numa extensão de 700 Km. Esse ambiente estático da guerra só veio a alterar a partir de 1917, com o uso do carro de combate inglês, do avião militar e com a entrada dos Estados Unidos na guerra (6 de abril 1917). Em 1916, houve duas batalhas históricas. A primeira foi a de Some (julho a novembro), onde franceses e ingleses tentaram empurrar os alemães para fora da França. Só no primeiro dia, morreram cerca de 20.000 soldados britânicos. A segunda foi a de Verdun (fevereiro a dezembro), considerada a mais longa da era moderna. Alemães e franceses dispararam, nessa Batalha, mais de dois milhões de granadas de artilharia, resultando em 286.000 mortos e 412.000 feridos. A Artilharia foi a grande arma da Guerra, responsável por 75% das baixas. Pela primeira vez, foram usados gases venenosos nas suas granadas. A metralhadora deu aos Exércitos um grande poder defensivo, mudando o perfil da guerra.
Em meados de 1915, a Itália rompeu com a Alemanha e passou para o lado da Tríplice Entente. Em 1917, A Rússia entrou em guerra civil e Lênin ascendeu ao poder. No início de 1918, assinou o armistício com a Alemanha (Tratado de Brest-Litovsk). No final de 1918, a Bulgária e os Impérios Otomano e Austro-Húngaro também deixaram o conflito. A partir daí, o povo alemão passou a desaprovar a guerra, forçando a abdicação do Imperador. Em 11 de novembro de 1918, o novo governo aceitou o armistício, pondo fim às hostilidades. Iniciou-se, então, a Conferência de Paris, que resultou no Tratado de Versalhes (1919). Esse Tratado impôs duras penalidades à Alemanha, entre as quais a sua responsabilização pela guerra, devendo pagar indenizações à Inglaterra e à França. Essas penalidades provocaram a ruína do país. Impôs ainda a redução de suas Forças Armadas e a proibição de fabricar tanques e armamento pesado. Foi obrigada a devolver a Alsácia-Lorena à França. A Guerra destruiu cidades, campos agrícolas e indústrias, gerando grave crise econômica em toda a Europa, principalmente na Alemanha, onde a inflação dobrava os preços a cada dois dias. Além dos prejuízos materiais e dos 13 milhões de civis mortos, a guerra deixou 30 milhões de soldados feridos e 10 milhões mortos. Ao todo, foram mobilizados 70 milhões de soldados, sendo 60 milhões europeus. A Guerra mudou o mapa político da Europa. Quatro Impérios deixaram de existir. A Alemanha e a Rússia perderam territórios. A Áustria-Hungria e o Império Otomano foram totalmente desmantelados. A Guerra marcou o fim do domínio europeu no mundo e a ascensão dos Estados Unidos. Deixou no povo alemão um profundo sentimento revanchista, que levou o país à 2ª Guerra Mundial.
(*) Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil