23 de jan. de 2010

Pesadelo da Democracia




José B. Queiroz

              

A democracia brasileira vive sempre ameaçada de cair no precipício. A esquerda radical não desiste das iniciativas de desqualificar as instituições, de desunir o país, de neutralizar os opositores. Faz o que pode e o que não pode para reescrever a História, reinterpretar os fatos, restringir a liberdade. Não perde tempo no propósito de relativizar o direito, de controlar a sociedade, de retificar a democracia. Essa esquerda se julga o Messias do século XXI. O que ela quer é enfraquecer as bases do Estado democrático. A sua democracia não tem como símbolo a pomba da paz, mas a figura da foice e do facão. Os seus heróis não são os que lutaram e morreram pela liberdade, mas os que praticaram atos terroristas e mataram inocentes. Essa esquerda não é aquela que governa países da Europa, que mantém as velas da liberdade soltas ao vento e respeita o princípio da pluralidade.  É aquela que tem como Bíblia o Decálogo do Socialismo, escrito por Lênin em 1913 e defendido pelos governantes de Cuba, Venezuela, Bolívia, Irã e outros.  A idéia de uma "democracia", moldada nos princípios socialistas, está sedimentada na alma desses radicais, como a fé está presente no altar de Deus. Empoleirados no poder, trabalham no sentido de comprimir e deformar a democracia, que a gente tenta construir com suor e sacrifício.

                O Plano Nacional de Direitos Humanos é uma obra esdrúxula da ira desses radicais. Ele mostra o seu poder de influência dentro do governo. Constitui um verdadeiro atentado à democracia. Aliás, realizar atentado é uma especialidade de quem o fez. Ele tem a marca registrada do revanchismo e representa uma cilada para o Estado democrático. A Lei da Anistia nasceu de um consenso político, tendo como objetivo reconciliar os brasileiros que lutaram em campos opostos. Por meio dela, o Estado abdicou do direito de punir os crimes praticados por ambas as partes.  Ela é recíproca e representa o marco conciliatório da reconstrução democrática. Essa esquerda, depois de 30 anos, quer revogar a Lei da Anistia por meio do PNDH, criando uma chamada Comissão da "Verdade", para apurar os crimes cometidos pela repressão política, deixando de lado os crimes praticados pelos guerrilheiros e terroristas. Esta é a prova do espírito parcial e vingativo dessa esquerda que hoje se encontra incrustada no poder. O Direito é dogmático e uma lei não pode retroagir para prejudicar o réu. A Constituição Federal considera tanto a tortura como o terrorismo como crimes insuscetíveis de anistia, mas ela só foi promulgada em 1988, muito posterior à Lei da Anistia. Além do mais, o combate às ações da esquerda, envolvida em guerrilhas e atos terroristas, não foi uma decisão de meia dúzia de pessoas, mas uma política de Governo.

                Esse PNDH apresenta ainda muitos outros pontos conflitantes com a democracia. Ele prevê, por exemplo, o controle da linha editorial dos meios de comunicação, podendo inclusive cancelar a concessão. Isto é um verdadeiro estupro à liberdade de imprensa. Ele também impõe restrições ao direito de propriedade assegurado na Constituição. No caso de invasões de terras pelo MST, o Poder Judiciário não poderá conceder liminar de reintegração de posse. Primeiro será constituída uma Comissão, nomeada pelo próprio governo, para intermediar as partes. É o mesmo que conceder à raposa o direito de decidir se ela deve ou não comer a galinha. Uma simples Comissão não pode sobrepor-se a um Poder da República, previsto na Constituição. Esse PNDH chega ao ponto de proibir o uso de símbolos religiosos em repartições públicas. Não proíbe o uso de outros símbolos, apenas os religiosos. Um católico não poderá colocar sobre a sua mesa de trabalho a imagem de Nossa Senhora Aparecida. O que isso tem a ver com direitos humanos?! O que essa ala radical da esquerda realmente quer é inocular na democracia o vírus de um Estado socialista e autoritário. Esse PNDH não é um instrumento de Direitos Humanos, mas de controle da sociedade. Ele investe, de forma ditatorial, contra os militares, o Judiciário, a Igreja, o agronegócio e a própria Constituição.  Não é documento construído de maneira consensual e democrática, mas nascido de conferências patrocinadas e dirigidas pela ala radical da esquerda. O que essa ala radical realmente quer é construir uma "democracia" à sua moda e ao seu jeito, não se dando conta de que a democracia é uma obra para todos e não para alguns. O PNDH é um pesadelo para o Brasil e a sociedade. Se aprovado como está, seu destino será o STF. Os socialistas adoram fazer as suas próprias leis e investir contra o Estado Democrático de Direito. Julgam ser os únicos donos da verdade.

 

13 de jan. de 2010

O Brasil e a Democracia

José B. Queiroz
Construir uma democracia é como educar um povo. Não se faz de uma hora para outra, da noite para o dia. É um processo lento, gradativo, penoso. Exige anos de trabalho, persistência, constância. É uma caminhada que percorre séculos, por estradas tortuosas e difícieis. Muitos pedregulhos surgem no caminho. Nessa caminhada, há riscos de interrupções e até mesmo hospitalização. Tudo pode acontecer. Quanto menor a sua saúde, maior a vulnerabilidade. A sua saúde está relacionada com a tradição, a educação, a economia, as instituições, a justiça e muitas outras coisas. A fragilidade desses ingredientes pode emperrar e paralisar a construção do edifício democrático. Quando eles desfrutam de um certo grau de solidez, a democracia é oxigenada com mais rapidez, celeridade e consistência.  A realidade brasileira dificulta o crescimento e o florescimento da democracia. Ela já nasceu com defeitos e vícios. Surgiu sob o signo da corrupção. A educação se assemelha a uma carroça travada e sem cavalo para tracionar. A economia sempre esteve mais voltada para o Estado do que para o povo. Mesmo quando crescia a níveis elevados, a população continuava pobre. A concentração de renda vem da infância e se agravou com os anos. É um mal crônico e difícil de ser curado. As resistências a mudanmças são fortes e poderosas.

            Apesar das interrupções democráticas que tivemos ao longo da história, ocorridas por injunções políticas e ideológicas, o Brasil sempre se caracterizou como um Estado Democrático, o que não quer dizer Democracia. Liberdade e eleições livres são instrumentos que ornamentam a democracia, mas não são suficientes para defini-la. Tais instrumentos podem sofrer processos de relatividade que deturpam a sua essência.   A corrupção endêmica, a lentidão da Justiça, a má distribuição de renda e a existência de uma significativa massa de pobreza colocam o Brasil distante de seu sonho. Só mesmo um salto de qualidade na eficiência de todos os serviços prestados pelo Estado pode acelerar o encontro da sociedade com a sua aspiração democrática. Os dirigentes brasileiros sempre orientaram suas ações para o Estado e para os seus interesses. A elite política remou, durante toda a nossa travessia histórica, a favor de seus interesses pessoais, deixando à deriva os interesses da população.

Somente no final do século XX, o Brasil começou a entender que precisa melhorar a sua democracia. A Constituição de 1988 foi a linha de partida dessa mudança. Ela ampliou os direitos do cidadão e fortaleceu o exercício da cidadania. A estrutura do Estado, porém, tem sido o maior entrave do nosso crescimento democrático. Representa um verdadeiro contrapeso. Ela tem demonstrado ser incapaz de dar uma resposta ágil e eficiente aos problemas que mais afligem a sociedade. A sua reforma pode dar mais vigor à democracia. Essa reforma deve incidir na representação política, nas instituições, nos impostos, no gerenciamento do Estado, no judiciário. A falta de continuidade dos projetos compromete a eficiência e a eficácia dos investimentos. Os projetos, de um modo geral, atendem aos interesses do grupo político que exerce o poder. Assim, o movimento da democracia brasileira é mais pendular do que linear, oscilando entre os interesses ideológicos da direita e da esquerda. No momento, ela está sob a batuta da esquerda. O problema é que a gente não sabe o tipo de democracia que essa esquerda quer construir. Sua afinidade com governos ditatoriais nos deixa incrédulos quanto à sua vocação democrática. Esperemos que ela não nos legue uma democracia deformada e tendenciosa, oxigenada mais pelo malabarismo totalitário do que pelos ares da liberdade.

5 de jan. de 2010

Recursos Humanos e Desenvolvimento

José B. Queiroz

 

                Todos os países do mundo, que alcançaram condição de potência econômica ou níveis elevados de desenvolvimento, iniciaram sua caminhada priorizando os investimentos em recursos humanos. Eles representam a maior riqueza do país. Os recursos físicos não garantem o desenvolvimento. Há muitos países que, mesmo sendo ricos em recursos naturais, não conseguem atingir níveis adequados de desenvolvimento e bem estar social. Por outro lado, existem inúmeros países que, mesmo sendo pobres nesses recursos, conseguem chegar à condição de potência econômica. Uma economia à base de commodities não é auto-sustentável. É um mercado muito variável. O tempo de carência para a produção desses bens é curto, porque o valor agregado é pequeno. Havendo recursos financeiros adequados, a produção de grãos e minérios pode, em pouco tempo, dar saltos de quantidade. O capital gerado por esse tipo de produção, porém, é pequeno se comparado ao volume exportado. Além dessa desvantagem quanto ao valor de troca, a exploração de recursos físicos tende a ser predatória, causando prejuízos ao meio ambiente. A produção de grãos estimula a expansão da fronteira agrícola e o uso crescente de agentes químicos, causando danos ao solo, às águas e à cobertura vegetal. Uma economia não pode se sustentar apenas na exploração de seus recursos naturais.

            A essência da sustentabilidade de uma economia está na parte humana do país. São as pessoas que produzem e consomem os bens. Esses bens terão tanto mais valor quanto maior for o conhecimento agregado.  A produção exige mão-de-obra qualificada e o consumo, nível adequado de renda. Numa sociedade, com elevadas distorções de renda como é no Brasil, o poder de consumo se restringe a um pequeno segmento. Isso acarreta uma grande vulnerabilidade à situação econômica, ficando ela mais sensível às turbulências externas. Quanto mais linear for o consumo, mais estável é a economia. No capital humano, uma dos grandes desafios onde há grandes distorções sociais é a distribuição de renda. Quanto melhor for essa distribuição, maior será o consumo. O aumento do consumo estimula o crescimento da produção. Outro aspecto do capital humano é a sua qualidade. Essa qualidade advém da saúde e da educação. Sem conhecimento não se pode agregar muito valor aos bens produzidos. O conhecimento tem a sua matriz na educação. Sem fortes investimentos, não se pode ter educação de qualidade e nem mão-de-obra qualificada, capaz de promover e sustentar o desenvolvimento econômico. Além da educação, o capital humano precisa desfrutar de níveis adequados de saúde, para que possa produzir mais e reduzir os investimentos em assistência médica curativa. O capital humano é, portanto, a geratriz do desenvolvimento econômico, a riqueza mais nobre de um país. Ele é a alma das mudanças e das transformações. É a linha de partida para o progresso e o bem-estar de um povo. O capital humano de um país é como o vento que empurra o barco, a água que germina o grão, a chuva que alimenta o rio.

4 de jan. de 2010

Anistia é irreversível

Paulo Broosard*
 
Agora, em dezembro do ano que findou, dei-me conta de que completei 62 anos de formado em Direito e, naturalmente, lembrei-me dos professores que tive na Faculdade, falecidos, mas não esquecidos, dos colegas de turma e contemporâneos, de advogados, juízes e desembargadores que me honraram com sua amizade, deferência e exemplos, de servidores do foro e do Tribunal, modelos de correção e urbanidade. Contados os cinco anos do curso, mesmo sem incluir os dois do pré-jurídico, o período de Porto Alegre, ultrapassa dois terços de século. Um pedaço de tempo, se é que tempo tem pedaço.

Como visse que se cogita de revogar a lei da anistia lembrei-me também do que aprendera a respeito quando estudante. A notícia me pareceu esdrúxula. Mais ainda, quando li que a projetada revogação da lei de 1979 teria sido concebida nos altos escalões do governo federal ou quem sabe dos baixos. Sei que contou com a adesão do presidente Luiz Inácio, pelo menos com sua assinatura. E como uma lembrança puxa outra, recordei a figura do saudoso amigo e mestre José Frederico Marques que, em um de seus livros, ensina o que é corrente entre tratadistas, a anistia "é o ato legislativo em que o Estado renuncia ao direito de punir... É verdadeira revogação parcial, hic et nunc, de lei penal. Por isso é que compete ao Poder Legislativo a sua concessão. Lei penal ela o é, por conseguinte: daí não a poder revogar o Legislativo, depois de tê-la promulgado, porque o veda o art. 141 §§3º e 29º", da Constituição de 1946, aos quais correspondem os incisos 36 e 40 do artigo 5º, da Constituição de 1988.

Se há dogmas em matéria jurídica esse é um deles. A lei penal só retroage quando benéfica ao acusado ou mesmo condenado. Daí sua irrevogabilidade. Os efeitos da lei da anistia se fizeram sentir quando a lei entrou em vigor. O próprio delito é apagado. A revogação da lei de anistia ou que outro nome venha a ter importaria em restabelecer em 2010 o que deixou de existir em 1979. Seria, no mínimo, uma lei retroativa, pela qual voltaria a ser crime o que deixara de sê-lo no século passado. O expediente articulado nos meandros do Planalto, a meu juízo, retrata o que em direito se denomina inepto. Popularmente o vocábulo pode ter um laivo depreciativo. Na terminologia jurídica, significa "não apto" a produzir o efeito almejado. Por isso, não hesito em repetir que o alvitre divulgado é inepto, irremediavelmente inepto.

Em resumo, amigos do governo, mui amigos, criaram-lhe um problema que não existia. É claro que estou a tratar assunto importante com a rapidez de um artigo de jornal. Para terminar, a anistia pode ser mais ou menos justa, mas não é a justiça seu caráter marcante. É a paz. No arco-íris social, com suas contradições, essa me parece ser a nota dominante. Não estou dizendo novidade.

À maneira de post scriptum, lembro que a oposição, ao tempo encarnada no MDB/PMDB, foi quem levantou a tese da anistia e era natural fosse ela; e desde o início falou em anistia recíproca. O setor governista não aceitava a reciprocidade, até que, algumas pessoas mais avisadas se deram conta de que, depois de período tão longo, em que tudo fora permitido, a anistia devia ser mesmo ampla, a ponto de abranger as duas partes em que o país fora dividido. Tive ocasião de dizer isso depois da anistia, quando localizada, em Petrópolis, casa onde a ignomínia da tortura fizera pouso. Ninguém contestou. Está documentado e publicado. Repito agora com a mesma tranquilidade.
* Jurista, ministro aposentado do STF