Luís Mauro Ferreira Gomes
Em 13 de dezembro de 2008
Todas as pessoas que costumam ler os nossos artigos sabem que, dificilmente, escrevemos sobre remuneração dos militares. Não que a irresponsabilidade revanchista com que é tratada a questão pelo governo federal seja irrelevante, mas porque se torna muito pequena diante da ameaça que esse mesmo governo representa para o Brasil como nação livre, democrática e soberana. Assim, preferimos concentrar-nos no perigo maior, que, uma vez eliminado, poderia ter, como benéfico efeito colateral, expungir as outras dificuldades menores.
Não obstante, às vezes, alguns assuntos aparentemente pequenos ganham grande importância pelas conseqüências que produzirão no futuro, como parte da estratégia global para neutralização das Forças Armadas, única Instituição ainda capaz de impedir que sucumbamos à aventura ditatorial persistentemente planejada sob proteção palaciana. É o que está acontecendo, agora, mais uma vez.
A edição de O Globo de hoje, 13 de dezembro, traz como manchete: "Defesa gasta 50% de seu orçamento com inativos". No primeiro caderno, toda a página 3 foi dedicada à matéria, na qual se lê, entre outras inverdades que:
De cada R$ 100 que o Ministério da Defesa desembolsa por ano, R$ 80 são destinados ao pagamento da folha, pensões e aposentadorias de militares, Os outros R$ 20 são fatiados em investimentos (6,74%), e custeio (13,7%), revela estudo do pesquisador Vitelio Brustolin a partir de dados do Siafi. (...) De acordo com a análise, este padrão se mantém assim há pelo menos 14 anos, contribuindo para o sucateamento das armas de guerra.
A má fé do texto de Flávio Tabak inspirado em pesquisa feita por um pouco conhecido Vitelio Brustolin é evidente. Aceitando-se que sejam verdadeiros os dados, ainda assim, não é porque se gastam 80% do orçamento com pessoal que houve o "sucateamento das armas de guerra". O estrangulamento orçamentário, este sim, é a causa da diminuição dos investimentos, com a conseqüente obsolescência do material, e o inevitável aumento do percentual das folhas de pagamento, cujos gastos são inelásticos.
A manipulação dos dados é igualmente obvia quando se afirma que a renda média de "um aposentado é de R$ 8,2 mil" e que "os números da ativa são mais modestos: R$ 2,7 mil", mas omite-se que as pessoas que se aposentam estão, geralmente, em fim de carreira, nos mais altos postos, e, têm, portanto, remuneração naturalmente maior. Também não se levou em conta que muitos militares de postos ou graduações menores são licenciados do Serviço Ativo para a Reserva não-remunerada (os soldados, alguns cabos e os militares dos quadros temporários), o que força para baixo a média remuneratória dos militares em atividade, sem reflexo sobre a inatividade remunerada.
Perdida no canto direito inferior da pagina, vem a declaração do Almirante-de-Esquadra Mauro César Rodrigues Pereira, ex-ministro da Marinha, a desmentir tanta falsidade, ainda assim, sob o título de "Ex-ministro sugere caixa único", quando o Almirante disse, justamente o contrário, como se pode ver abaixo:
O déficit previdenciário da Defesa poderia virar até superávit se existisse um sistema próprio para gerenciar as contribuições e os pagamentos dos aposentados e pensionistas. O almirante de esquadra Mauro Cesar Rodrigues Pereira, ex-ministro da Marinha (1995 a 1999) do governo Fernando Henrique Cardoso pediu, logo após assumir o posto, um estudo sobre o sistema financeiro dos militares da ativa e da reserva. De acordo com o almirante, as contribuições são suficientes para pagar os encargos. O problema aparece porque o dinheiro é usado para outros fins. O estudo prova que, com uma taxa de 7,8% de juros ao ano, daria para pagar, sem despesas para o tesouro, as viúvas, filhas e até netas de militares. Quem pagou pela aposentadoria é roubado, porque usaram o dinheiro para outras coisas - sustenta o ex-ministro. O almirante sugere a separação do dinheiro de contribuição do resto que é depositado na conta do Ministério da Defesa. Ele diz que não há déficit real: "O primeiro passo seria contabilizar tudo isso em separado, porque hoje entra tudo no saco do tesouro".
Essa reportagem é, muito provavelmente, o pagamento que o governo exigiu do jornal por ter tido a ousadia de difundir, nas edições de 11 e 12 de dezembro, com manchetes na primeira página, matérias que desnudam o presidente, expondo-lhe a incontinência verbal exageradamente vulgar, o fracasso de seu governo, por meio das estatísticas inquestionáveis apresentadas, e as falácias com que o seu partido procura esconder a realidade dos olhos dos eleitores.
Como sempre, quando as coisas se tornam difíceis, logo disparam uma série de ataques contra os militares, no que também encontram eco em políticos corruptos da oposição, que temem uma nova onda moralizadora.
A fim de sobreviver com a sua desmedida ambição pelo poder em meio à guerra suja em que transformaram a política nacional, o ministro da defesa finge-se de amigo das Forças Armadas somente para defender-se a si mesmo com o uso virtual das armas que deveriam defender a Nação. Não deixa, porém, de manifestar, sempre que pode, de forma mais ou menos explícita, a sua intenção de desvincular a remuneração dos militares da ativa dos proventos dos que estão na Reserva ou Reformados, materializando, assim, o seu velho sonho de dividir a família militar. Isso, mais uma vez, transparece nas suas declarações inconsistentes sobre o assunto:
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, reconhece os problemas na folha de pagamento da pasta. Em audiência pública na Câmara dos Deputados, na última quinta-feira, disse que, embora exista preocupação, ainda, não há discussão a respeito do impacto dos inativos e pensionistas nos gastos. "Qualquer aumento que se concede aos militares tem repercussão imensa", disse Jobim. Segundo o ministro, estão sendo feitas análises sobre a estrutura das Forças de outros países.
Certa vez, quando o ministro da defesa, em meio a uma série de bravatas, disse que o Exército de hoje não era como o de ontem, foi diretamente contestado pelo Alto-Comando daquela Força, que afirmou, em nota memorável, que somente existe um Exército, o de Caxias. Desde então, o ministro mostrou-se mais "prudente" e, em algumas situações, simula defender os militares, como na aparente queda-de-braço – assim tem chamado a imprensa – com o ministro defensor dos terroristas, Paulo Vanucchi, sobre a criação da comissão nacional da "verdade".
É incompreensível que alguns não percebam que Nelson Jobim faz parte do problema, jamais da solução, e o vejam como amigo. Não há amigos nesse governo.
Finalmente, outro argumento dolosamente fraudulento é o de que o alegado déficit anual de R$ 5 bilhões nos gastos com pensões e aposentadorias militares seria responsável pelo não-reequipamento das Forças Armadas. Quem conhece um mínimo do assunto bem sabe que qualquer sistema de armas, dos muitos que são indispensáveis a qualquer Força Armada, custa dezenas, talvez centenas, de vezes esse valor.
Assim, ainda que fosse congelada a remuneração de todos os militares em atividade e inativos, além dos gastos com pensionistas, nada mudaria na penúria em que vivem as nossas Forças Armadas.
Talvez, os que acreditam no ministro da defesa devessem abrir mão de suas remunerações e trabalhar, gratuitamente, como voluntários. Desse modo, não ajudariam a reequipar as suas Forças, mas, sem dúvida, contribuiriam, ainda mais, para o "bolsa terrorismo", para os "bolsas voto", para a compra de congressistas e magistrados, para muitos enriquecimentos ilícitos, e, enfim, para a consolidação e para a perpetuação da ditadura no País.
(*) Provérbio iídiche
O autor é Coronel-Aviador reformado.