José B. Queiroz
No mundo há país que tem tudo para dar errado e dá certo; há também país que tem tudo para dar certo e dá errado. Coreia do Sul é um exemplo. Mas também lá existe mais PHD por habitante que nos Estados Unidos. O Brasil, coitado, tem uma potencialidade imensurável, sem adversidades naturais, mas sua realidade é extremamente constrangedora e desconfortável. Nosso país não conseguiu dar saltos de qualidade na educação, na reforma agrária, na saúde, na gestão pública, na distribuição da riqueza. Quando avança, é em passo de tartaruga. Os países do primeiro mundo estão conectados com o seu futuro por rodovias asfaltadas. Nossa conexão, porém, se faz por estradas de terra e ainda esburacadas. Estamos amarrados e escravizados por uma estrutura social injusta e cheia de nós. Queiramos ou não, estamos longe do paraíso.
A impunidade, a corrupção, as desigualdades, tudo continua escorrendo na retina de nossos olhos. São realidades que alimentam os discursos e atravessam o tempo. Os políticos se revezam nas falsas promessas. Prometem tudo, até paraíso para os pecadores. Enganam o povo e são reeleitos por este mesmo povo. São pródigos com os apadrinhados e criativos nas ilicitudes. Negam tudo e o povo acredita na verdade que eles mesmos constroem.
O Brasil é o país do consenso na teoria e do dissenso na prática. Discursos e ações caminham em direções opostas. Todos condenam a corrupção, mas elegem corruptos como representantes. Muitos querem melhor distribuição de renda, desde que ela comece pela dos outros. A idéia une todos, a ação os separa. A única classe realmente unida são os políticos. O problema é que essa união se dá nos vícios e não nas virtudes. Assim, fica difícil fazer a junção do presente com o futuro. Os nossos políticos são como águas barrentas e poluídas, separando as margens do rio; separando o sonho da realidade, o futuro do presente.
O Judiciário está de costas para a democracia. A nossa Justiça é cara, morosa, parcial e desonesta. Seus membros e servidores estão mais preocupados com os seus salários do que com a qualidade dos serviços jurisdicionais. Uma ação dura anos e anos até ser julgada. Às vezes o réu morre sem pagar a pena, o impetrante sem desfrutar dos benefícios. O cidadão não tem como fazer valer o seu direito, ainda mais quando o réu é o Estado, agora protegido pela lei do calote. Sem justiça não há democracia. A lei deveria valer para todos, mas só vale para alguns. Ela só existe para quem a acata, não para quem a infringe.
Os políticos e os partidos defendem ética na política e transparência no governo, mas só quando estão na oposição. Ao chegarem ao poder, tudo se transforma. As idéias e as convicções mudam como palmeiras ao vento, como nuvens no céu. Decantam como pedra na água. A ética é colocada em quarentena e a honestidade no calabouço. A esperança do eleitor é a única força que dá vida à democracia.
Quando há alternância no poder, a pilhagem do Estado não sofre solução de continuidade. É um mal crônico. Governo e sociedade disputam a paternidade da corrupção. Ninguém sabe onde começa nem onde termina. O Estado espolia o cidadão, o cidadão sonega o Estado. É uma competição que não tem fim. O povo continua exercendo o direito do voto. Um voto que não tem conseqüência, porque não muda nada. Ele não faz democracia. É apenas um dos elementos. Muitas vezes, é usado como roupagem. O eleito não tem compromisso com o eleitor, exceto na época da eleição. A nossa democracia é apenas política, nunca social; é formal, nunca efetiva. Milhões de brasileiros sonham com um salário mínimo, por mais mínimo que ele seja. Somos muitos, mas apenas poucos desfrutam da nossa democracia. Ela é o sonho de todos, um sonho que mais parece uma lua desfilando no céu. Somos uma democracia formal e inacabada, onde o sol brilha para poucos e se esconde para muitos. Somos um país sem cidadania, um rio sem água.