20 de mar. de 2012

O Grito do Soldado

Gen Ref José Batista Queiroz (*)
O Exército Brasileiro é parte integrante da História do Brasil. Participou de todos os fatos históricos que marcaram a vida brasileira. Sua presença na construção dessa História sempre foi em sintonia com os desejos e as aspirações do povo brasileiro. O Exército teve, tem e sempre terá um compromisso institucional e afetivo com a liberdade, a democracia e a justiça social. Nunca negou apoio à sociedade brasileira nos momentos de calamidades e, também, quando ela se sentiu ameaçada, em seus valores democráticos, por minorias comprometidas com regimes totalitários. Muitos de seus integrantes deram a própria vida, em lutas externas e internas, na defesa desses valores. Em alguns momentos circunstanciais da História, o avanço da revolução comunista no Brasil obrigou a sociedade a contrapor-se a esse avanço, saindo às ruas em passeatas nunca antes vistas, sensibilizando o povo a lutar pela preservação da democracia. E o Exército jamais poderia ficar contra essa vontade do povo. Alguns grupos radicais, patrocinados por países comunistas, recorreram às armas na luta contra o governo. Seu objetivo real era tomar o poder pela força e implantar um regime semelhante ao desses países.  Sem qualquer apoio popular, essa minoria foi derrotada. A Lei da Anistia propôs um reencontro da sociedade, uma reconciliação nacional, para que se pudesse construir um novo Brasil, para todos os brasileiros, sem vencidos e vencedores. Essa Lei foi recepcionada pela Constituição, conforme entendimento do STF.
As Forças Armadas deram substância e conteúdo à Lei da Anistia. Aqueles que antes pegaram em armas para destituir o governo chegaram ao poder pela via democrática. O Exército, como herdeiro do espírito conciliador de seu patrono Duque de Caxias, esqueceu o passado e dispensou aos novos governantes todo o seu apoio, respeito e consideração, tendo como fundamento o espírito democrático e conciliador de seus integrantes. Tal conduta está coerente como os pilares sagrados da Instituição Militar: a hierarquia e a disciplina. Em nenhum momento, nenhum militar da ativa fez, de forma pública e oficial, críticas ou referências ofensivas a qualquer membro do governo. Sua conduta foi sempre coerente com os seus valores. Os militares estenderam a mão com a sinceridade que lhes é própria. O que se esperava dos que exercem temporariamente o poder era que estendessem também a mão e que tivessem uma postura de respeito ao Exército e aos militares. O Exército não são apenas os homens de hoje, mas também os do ontem, que tanto ajudaram a construir a sua história. É, portanto, inaceitável que Secretários de Governo, falando em nome do Governo, venham a público fazer comentários ofensivos a militares e, ainda, incitar pessoas a desrespeitarem a Lei d Anistia. O Presidente da República tem o dever de zelar pelo fortalecimento das Instituições de Estado e pelo cumprimento das Leis e da Constituição, a qual jurou cumprir. O exercício do cargo lhe confere a função de Comandante Supremo das Forças Armadas, o que gera a obrigação de, como Comandante, defender as Instituições Militares e os seus integrantes.

Os militares da ativa, por questão de disciplina, estão impedidos de se manifestarem. Cabe ao Comandante do Exército, como Chefe, defender os seus subordinados, levando aos superiores o descontentamento dos quartéis com as citações provocativas e ofensivas aos militares, verbalizadas por membros do Governo. Deve, inclusive, reconhecer - como realmente fez - o direito dos Clubes Militares, como associações civis, de se manifestarem a favor ou contra atitudes de autoridades governamentais.  É o direito à liberdade de expressão, essência da democracia. E foi exatamente isto o que os Presidentes dos Clubes fizeram. Defenderam os militares. Exerceram o seu direito e cumpriram o seu dever. Num regime democrático, as autoridades governamentais precisam aprender a conviver com os elogios e as críticas, com as concordâncias e as discordâncias. As citações provocativas que setores do Governo vêm fazendo aos militares – que sempre cumpriram e cumprem o seu dever com abnegação e disciplina - estão em completo desacordo com o espírito da Lei da Anistia e em nada contribuem para o fortalecimento de uma reconciliação nacional. Esses setores estão descumprindo a Lei. Dão a impressão clara de um revanchismo proposital. Até parece que consideram os militares como adversários e não como parceiros da democracia, como promotores da guerra e não como defensores da paz. Os militares são pessoas dignas e honestas. Membros do Governo podem até discordar de mim, mas eu gostaria de ter o direito de discordar deles, de até mesmo criticá-los. Se eu não puder fazê-lo, a nossa democracia não está pavimentando o futuro, mas se voltando para o passado.
A formação militar nos ensina que todo Chefe deve exercer o comando e a liderança sobre os subordinados. Ser omisso na defesa da Instituição e de seus integrantes é não cumprir o dever de soldado, é enfraquecer a confiança dos subordinados nos superiores. Quem porta a espada de Caxias deve estar à altura do brilho moral de nosso patrono. A hierarquia e a disciplina impõem restrições aos militares da ativa, mas não restringem a liberdade de expressão dos inativos.  A Constituição Federal e a Lei 7.524, de 1986, garantem aos inativos o direito de se manifestarem politicamente. Impedir o exercício desse direito é não reconhecer o Estado Democrático de Direito, nascido com a Constituição de 1988, é desprezar a democracia. Negar o exercício da liberdade é próprio de governos não democráticos e não é isso o que queremos para o Brasil. O que queremos é uma democracia onde todas as pessoas, respeitadas as normas legais, possam criticar o governo sem medo de repressão. Quando um governo reprime e pune os críticos e discordantes, quando permite ações persecutórias contra segmentos profissionais é porque não está governando para todos, é porque não tem muita afinidade com a democracia. O que os militares brasileiros exigem é respeito à sua história, à sua honra e à sua dignidade. O Exército Brasileiro não é uma Instituição que nasceu ontem, ao sabor de interesses políticos. Sua vocação é a democracia, seu compromisso é com o Brasil.
A história e os valores do Exército constituem uma espécie de santuário, que não pode ser profanado. Atacar ou ofender, gratuita e inoportunamente, membros do Exército, de forma pública e constante, é querer denegrir a sua imagem, é querer desconstituir a sua história. O Exército é uma Instituição secular, portadora de esplendor histórico, de valores referenciais e de uma invejável credibilidade. Dar à Instituição e aos seus integrantes tratamento demeritório é menosprezar um patrimônio, construído ao longo de séculos. Tal patrimônio precisa ser valorizado e preservado.  As declarações desagregadoras, feitas por membros do Governo contra os militares, mostram a existência de um espírito revanchista adormecido. O rebaixamento salarial progressivo, imposto aos integrantes das Forças Armadas, demonstra a má vontade do Governo para com os militares. Os Presidentes dos Clubes Militares cumpriram o seu dever. Expressaram o pensamento dos profissionais da disciplina e dos associados do Clube. Um verdadeiro soldado, quando se aposenta, tira a farda do corpo e a veste na alma. Jamais perde a sua grandeza, a sua dignidade, a sua honra e a sua coragem

(*) Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil